Depois da Via Crucis, ressurreição.
"Estou numa liberdade deliciosa. Há anos que eu não sentia isso."
Clarice Lispector - sempre ela.
E eu cheguei no âmago da coisa. Percorrer um longo e doloroso caminho não foi suficiente, faltava aquilo que eu chamo de coup de grace. A última cartada seria inesquecível e tão inédita quanto imprevisível.
Eu entrei no ônibus, e entre uma conversa e outra surgiu o assunto da garganta. Quem conhece meus problemas sabe que garganta é o assunto desta vida. A mente dá voltas, é como uma fila de dominós, quando se derruba um, impactua nos outros e um pensamento foi seguindo outros até chegar bem no limite da mente, um ponto cego da qual eu havia me esquecido: como foi que eu sai da depressão mesmo?
Olha onde fui parar, retroceder até o estado primitivo que foi minha vida antes de descobrir a doença e que era facilmente confundida com depressão - e de fato é até um dos sintomas - e tive de encarar como eu me livrei disso tudo. Há uma força maior que todo o universo e o além juntos, que explode e te tira disso, é involuntário e incontrolável. Quando você acorda, você já está de pé de novo. Surge de novo aquilo que chamam de esperança.
Mas de onde vem essa força? Esse era o ponto cego, esse era o fato que minha mente escondia de mim como se fosse algo estratégico. Durante aquela viagem de ônibus a resposta para essa pergunta invadiu meus pensamentos e eu lembrei de tudo.
É como em jogos mortais. Todos tem vidas miseráveis e muitos optam por desistir, vivem como zumbis simplesmente cumprindo rotinas e sofrendo quando não conseguem. Não há luz, não há desejo, tudo o que pode ser confundido com esperança é a inveja, os outros podem ser feliz, os outros podem ter um amor, os outros podem ter dinheiro, eu não posso. Desse estado miserável em que o suicídio foi uma palavra que poderia trazer conforto eu passei ao amor eterno, tudo num instante.
O ponto cego então se ilumina e eu me vejo com o resultado do ultra-som na mão. E vejo também na foto dois caroços que os médicos chamam de nodos, tumores na melhor das hipóteses. Dezoito anos e eu ouvi a frase célebre "Pode ser câncer". Como em jogos mortais, a força surgiu. Você odeia a sua vida até o momento em que percebe que pode realmente perdê-la, aí luta como um desesperado se agarrando as bordas do momento da morte e implorando por alguns dias, até mesmo por mais alguns segundos.
E por que a mente foi estratégica? Porque depois do que passei eu fiz uma promessa. A vida começa nesse dia, agora eu não desperdiço mais tempo. Eu sou mestre do meu destino e se for para morrer que seja batalhando. Desnecessário dizer que eu não tenho cumprido essa promessa.
Eu coloquei a mão no rosto e disse "O que eu tenho feito da minha vida, Deus?". Eu explodi em dor, eu senti a origem de tudo e foi tão ruim como morrer. Eu tomei de novo a consciência de que estava vivo e é como acordar com baldes de água fria. Lembrei-me lentamente do meu olhar fixo pro meu pulso naquele dia sombrio e de toda a promessa citada. Eu ia fazer a vida valer a pena, mas não tive coragem para tal ato. Eu errei.
Bem no clímax disso tudo algo novo e surpreendente surgiu em meus olhos: uma lágrima. Se vocês soubessem como dói não saber chorar, como não consigo tornar física a tristeza... E eu descobri o quão confortante e aliviadora é a sensação de chorar. A lágrima finalmente escorreu.
De olhos bem fechados me vi nu diante de uma luz infinita. Eu chorava desesperadamente e soluçando eu gritava "Me guia Deus". Era o ápice do absurdo, mas a imagem ficou absolutamente nítida na minha mente. Pode ser o que for, o que vale é que eu sequei em sentimentos. Eu me renovei de tudo. Perdi mil quilos de culpa.
E então eu acordo. Ônibus em movimento, amigos rindo, senti a carne de novo. Em movimentos involuntários esbocei um sorriso tímido, que foi se transformando em gargalhadas escandalosas. Garanto que se existisse uma forma de detectar a louca nas pessoas eu certamente seria um candidato ideal.
E agora eu eternizo tudo nesse blog. Li hoje uma frase impactante: todo velho que morre é uma biblioteca que incendeia. Eu vou deixar esse relato surreal pra qualquer um saber que eu perdi de vez aquilo que chamo de lucidez e que eu não quero esquecer essa sensação de liberdade.
Mas só a esperança não me basta. Eu vou completá-la com algo bem mais real, bem mais prático. Onde a minha esperança falhar, eu vou preencher de perseverança.
Vida perfeita? Que nada, a vida vai me passar mil rasteiras e eu só tenho vinte e dois anos, sofrer daqui há alguns anos vai ser mil vezes mais intenso do que isso que eu chamo hoje de problemas.
Contudo, nessas horas ruins, eu quero me lembrar de hoje.
Clarice Lispector - sempre ela.
Já deixo bem avisado. Vai ser impossível explicar algo tão surreal e abstrato quanto minha alma.
E eu cheguei no âmago da coisa. Percorrer um longo e doloroso caminho não foi suficiente, faltava aquilo que eu chamo de coup de grace. A última cartada seria inesquecível e tão inédita quanto imprevisível.
Eu entrei no ônibus, e entre uma conversa e outra surgiu o assunto da garganta. Quem conhece meus problemas sabe que garganta é o assunto desta vida. A mente dá voltas, é como uma fila de dominós, quando se derruba um, impactua nos outros e um pensamento foi seguindo outros até chegar bem no limite da mente, um ponto cego da qual eu havia me esquecido: como foi que eu sai da depressão mesmo?
Olha onde fui parar, retroceder até o estado primitivo que foi minha vida antes de descobrir a doença e que era facilmente confundida com depressão - e de fato é até um dos sintomas - e tive de encarar como eu me livrei disso tudo. Há uma força maior que todo o universo e o além juntos, que explode e te tira disso, é involuntário e incontrolável. Quando você acorda, você já está de pé de novo. Surge de novo aquilo que chamam de esperança.
Mas de onde vem essa força? Esse era o ponto cego, esse era o fato que minha mente escondia de mim como se fosse algo estratégico. Durante aquela viagem de ônibus a resposta para essa pergunta invadiu meus pensamentos e eu lembrei de tudo.
É como em jogos mortais. Todos tem vidas miseráveis e muitos optam por desistir, vivem como zumbis simplesmente cumprindo rotinas e sofrendo quando não conseguem. Não há luz, não há desejo, tudo o que pode ser confundido com esperança é a inveja, os outros podem ser feliz, os outros podem ter um amor, os outros podem ter dinheiro, eu não posso. Desse estado miserável em que o suicídio foi uma palavra que poderia trazer conforto eu passei ao amor eterno, tudo num instante.
O ponto cego então se ilumina e eu me vejo com o resultado do ultra-som na mão. E vejo também na foto dois caroços que os médicos chamam de nodos, tumores na melhor das hipóteses. Dezoito anos e eu ouvi a frase célebre "Pode ser câncer". Como em jogos mortais, a força surgiu. Você odeia a sua vida até o momento em que percebe que pode realmente perdê-la, aí luta como um desesperado se agarrando as bordas do momento da morte e implorando por alguns dias, até mesmo por mais alguns segundos.
E por que a mente foi estratégica? Porque depois do que passei eu fiz uma promessa. A vida começa nesse dia, agora eu não desperdiço mais tempo. Eu sou mestre do meu destino e se for para morrer que seja batalhando. Desnecessário dizer que eu não tenho cumprido essa promessa.
Eu coloquei a mão no rosto e disse "O que eu tenho feito da minha vida, Deus?". Eu explodi em dor, eu senti a origem de tudo e foi tão ruim como morrer. Eu tomei de novo a consciência de que estava vivo e é como acordar com baldes de água fria. Lembrei-me lentamente do meu olhar fixo pro meu pulso naquele dia sombrio e de toda a promessa citada. Eu ia fazer a vida valer a pena, mas não tive coragem para tal ato. Eu errei.
Bem no clímax disso tudo algo novo e surpreendente surgiu em meus olhos: uma lágrima. Se vocês soubessem como dói não saber chorar, como não consigo tornar física a tristeza... E eu descobri o quão confortante e aliviadora é a sensação de chorar. A lágrima finalmente escorreu.
De olhos bem fechados me vi nu diante de uma luz infinita. Eu chorava desesperadamente e soluçando eu gritava "Me guia Deus". Era o ápice do absurdo, mas a imagem ficou absolutamente nítida na minha mente. Pode ser o que for, o que vale é que eu sequei em sentimentos. Eu me renovei de tudo. Perdi mil quilos de culpa.
E então eu acordo. Ônibus em movimento, amigos rindo, senti a carne de novo. Em movimentos involuntários esbocei um sorriso tímido, que foi se transformando em gargalhadas escandalosas. Garanto que se existisse uma forma de detectar a louca nas pessoas eu certamente seria um candidato ideal.
E agora eu eternizo tudo nesse blog. Li hoje uma frase impactante: todo velho que morre é uma biblioteca que incendeia. Eu vou deixar esse relato surreal pra qualquer um saber que eu perdi de vez aquilo que chamo de lucidez e que eu não quero esquecer essa sensação de liberdade.
Mas só a esperança não me basta. Eu vou completá-la com algo bem mais real, bem mais prático. Onde a minha esperança falhar, eu vou preencher de perseverança.
Vida perfeita? Que nada, a vida vai me passar mil rasteiras e eu só tenho vinte e dois anos, sofrer daqui há alguns anos vai ser mil vezes mais intenso do que isso que eu chamo hoje de problemas.
Contudo, nessas horas ruins, eu quero me lembrar de hoje.
"...foi por causa de Wonderfalls que eu entendi que o universo é tipo um cafetão nervoso. Latino, com a camisa aberta, uns colares de ouro aparecendo, chapéu com pé, anéis nos dedos. E ele acha que EU sou a puta de ouro dele - e se eu não fizer EXATAMENTE o que ele quer, ele me bate e deixa marca de anel. E, veja bem, como todo cafetão nervoso, ele nunca explica muito bem."
- Bruno Canato, escritor do blog oladoc.blogspot.com
- Bruno Canato, escritor do blog oladoc.blogspot.com
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