quinta-feira, 6 de dezembro de 2007

Psicosomático

"O que é pior, novas feridas que são horrivelmente dolorosas ou velhas feridas que deviam ter sarado anos atrás mas nunca o fizeram? Talvez velhas feridas nos ensinem algo. Elas nos lembram onde estivemos e o que superamos. Nos ensinam lições sobre o que evitar no futuro. É como gostamos de pensar. Mas não é o que acontece, é? Algumas coisas nós apenas temos que aprender de novo, e de novo, e de novo... "

-Meredith Grey, Scars and Souvenirs

Antigamente era tão bom ficar doente. Eu faltava na escolinha, minha avó fazia a melhor sopa que já provei e ainda tomava AAS infantil com gosto de bala.

De tarde na minha casa aconteciam coisas que eu não poderia imaginar. Os sofás eram empilhados e de dentro do balde vinha um cheiro que era o cheiro das coisas, o cheiro da casa inteira estava alí. Eu era levado de um lado para outro, e acabava invariavelmente ficando trancado no quarto brincando de Lego.

E lá era o meu mundo. Eu construia, criava e demolia. Tinha histórias também. Quantas vezes esse bonecos não imitavam todos os meus heróis em missões absurdas?

Por volta das quatro da tarde eu ouvia a batedeira e corria pra cozinha. Dava pra raspar a tigela da cobertura de chocolate do bolo de cenoura. Por mim eu dispensava o bolo e só ficava com a cobertura e ainda trocava o pedaço de bolo pelo Yakult do meu irmão. Podia ser o doce que for: nada me fazia mais feliz que um Yakult.

Dai vinha o Nescau, final de tarde em frente a tv assistindo seriados japoneses.

Mais a noite chegava meu pai, e ele sempre fazia festa. Trazia consigo pão fresco ou alguma coisa da padaria, só podia comer depois da janta. E depois da janta não sobrava muita energia, eu capotava no sofá mesmo.

Hoje em dia um dia doente parece que de nada tem de diferente ou especial, parece que é uma obrigação da vida se estar bem e perfeito, acordar disposto. Eu fico pensando quando eu vou ter o divino direito de acordar e não precisar fazer absolutamente nada, simplesmente ficar na cama.

Nenhum dia chuvoso me serviu mais de inspiração. E às vezes eu sinto falta disso, acordar com o barulho da chuva, olhar pra janela e voltar a dormir.


“I love walking in the rain,
'cause then no-one knows I'm crying.”

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