sexta-feira, 6 de abril de 2007

Quase um sacrilégio

"Eu me sentia imunda como a Bíblia fala dos imundos.
Porque foi que a Bíblia se ocupou tanto dos imundos...?"
-Clarice Lispector, A Paixão Segundo G.H.

Como sinto muita fome pela manhã eu sempre levo algo para comer no trabalho. Tomei o café às sete e já passava do meio dia quando eu pensei em comer meu lanche. Antes, porém, conversávamos sobre os costumes da sexta feira santa e neles eu havia cometido um pecado: o lanche era de frango.

Quando se trabalha no aeroporto com o tempo você esquece o que é um feriado. Dessa vez foi meu pai quem me lembrou, se não fosse ele capaz que eu esquecesse que ônibus nesta sexta é coisa rara e chegaria atrasado. Mas nessa sexta não pode comer carne, exceto peixe certo?

Horas sem comer, horas trabalhando, penso eu, cristão convicto, Jesus me perdoará. Não faz o tipo dele me deixar com fome só para agradá-lo, ele representa acima de tudo compaixão.

Mas nesse momento incerto um outro pensamento invadiu esta cabeça. Tomado por cenas de puro sangue e sofrimento, eu pensei no quanto um frango era pequeno diante de tanto significado. A gente ouvi a história Dele, vê o filme do Mel Gibson e no entanto é impossível sentir na pele o que Aquele homem sentiu. Era tanta a provação que metade dos cristãos que conheço teriam desistido logo no primeiro trecho, e os outros todos na metade. Quando o sangue misturado com suor escorre de tua face, quando as dores do flagelo e o cançaço dos músculos devido à força se juntam, não há ser humano que não teria jogado a cruz longe, implorado para ser morto ali e ainda dito "Pra quê tudo isso? A humanidade está perdida mesmo..."

Eu nunca tinha entendido uma passagem da Bíblia Sagrada que chamava Cristo de cordeiro. Parecia, da primeira vez que ouvi falar sobre isso, que ele era um agente do apocalípse, jorrando pragas neste mundo. Estudando depois eu entendi que a passagem era isso: o diabo rindo, falando que se alguém quisesse libertar o ser humano de todos os pecados, era abrir os sete selos e receber todos os pecados em troca. Jesus bateu no peito e disse "Só isso? Eu abro..."

E eu aqui, nem conseguindo negar um mísero sanduíche light, com gosto de nada e temperado com vento.

Não que seu tivesse comido o lanche eu teria ido para o inferno, não é isso. O fato é que essa situação me fez mais conivente com aquela lenda, em fez mais simpatizante da causa Dele. Me fez reparar em quanto existe um potencial grande em nós e que ele só pode ser usado para uma causa nobre dessas, o amor. Se um dia eu serei capaz de amar ou não, só o tempo vai me dizer. Mas potencial, se entregar a um destino incerto e cumprir sua missão, nisso Jesus foi mestre.

Enquanto o mundo pensa em ovos de páscoa, chocolate, reuniões de família, eu vou pensar em alguém que se matou por mim. E valeu a pena ele ter morrido?

Nesse longo ano eu descubro. Aliás, nesse ano eu descubrirei se mereço viver realmente.


"...remember the words of the Lord Jesus, how he said, 'It is more blessed to give than to receive.'" (Acts 20:35b)




Um comentário:

Bruno Canato disse...

Pra entender minha relação com Jesus, vale ler Franny and zooey do Salinger - a parte em que o Zooey fala pra Franny umas verdades. Porque eu também sou incapaz.