sábado, 24 de maio de 2008

Casos antes da parada

Se homosexualismo é uma doença,
vamos todos ligar para o trabalho e dizer:
"Alô. Ainda não posso trabalhar. Continuo sendo viado."
-Robin Tyler



Eu já estava desistindo da fila do McDonald's quando as duas se viraram e deram um beijo assim, em público, em pleno Aeroporto Internacional de Guarulhos. E olharam pra mim. Eu virei de vergonha, sei lá, sabe quando a gente olha fixamente e a pessoa repara? Sei é que bateu uma vergonha e me virei.

Virei bem a tempo de ver um homem musculoso coçando suas partes baixas e olhando pra mim com cara de "estou no cio". Com cara de tesão. E eu com cara de assustado.

Olhei surpreso em volta. Todos tinham percebido os dois fatos. O que aconteceu com esse lugar?

Ah, só podia ser, lembrei tranqüilizado: era a sexta-feira do final de semana da Parada Gay.


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-Olha! O Rafa!

E todos ficam curiosos e se viraram ao mesmo tempo, procurando ansiosos a tal pessoa.

-Quem?
-O Rafael Alencar!
-Nossa! Não acredito! Cadê"

Caminhando sábado na Paulista eu ouvi o diálogo e segui instigado. A minha direita um grupo de adolescentes tietes. Na minha esquerda dois homens vinham na minha direção.

Foi quando meu olhar cruzou com o dele. Mais baixo que eu,
exibindo pela camiseta regata um corpo muito malhado e olhos de uma cor que foto nenhuma consegue reproduzir.

O nome era fácil de decorar. Mais tarde a pesquisa do Google me apresentou o rapaz: Rafael Alencar é um ator pornô gay internacionalmente famoso. O Brasil exportando até nossos rapazes.

E isso explica a tietagem. Eu estava diante do cara da foto, alguém que muitos gays fantasiavam. Eu estava diante de um ícone pornô. De um gay muito cobiçado.

E ele olhou pra mim.

E sorriu.

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Como eu poderia dizer que ele mentiu?

Na noite anterior ele beijou um homem, bem do meu lado. Hoje ele diz aos héteros que queria comer "fulana" e que tinha medo de ir na balada tal porque tinha muito viado.

O pior é que eles, um por um, faziam isso. O preconceito crescia não diante dos que enojam dois homens juntos, mas da nossa própria hipocrisia. Não faz muito tempo que eu descobri que um dos mesmos, que tanto era contra "essa viadagem toda", havia ficado com um cara.

E eu me perguntei, o que eu tenho a ver com isso?

Afinal, quem tem a ver com isso?

Mas a imagem era muito poderosa. Se você fosse visto como hétero ou como gay fazia uma diferença incrível, independente das suas atitudes. Sempre foi o preço de morar em condomínio. A vizinhança é ampla demais, a quantidade de pessoas que você lida diariamente é imensa. E a crueldade delas, sem limites. Tem gente que simplesmente vive de fofocas.

E pouco a pouco a gente se prendeu numa armadilha contra nossas próprias imagens. Passaram a dizer então que se fulano beijou fulano, se eu ando com fulanos, fulano sou. Se eles se beijam e a gente convive, eu beijo eles.

O pior é que eu nunca fiquei com meus amigos e nem amigas. Pra mim essas coisas naturalmente foram separadas. Não é tabu, é realidade. Eu posso sair do apartamento deles às 4 da manhã, e a gente nunca ficou.

Mas quem vai acreditar? Afinal, se eles falarem de mim, evitam que falem deles. E hoje em dia, é bem mais sábio cruzar a rua e não cumprimentar o seu amigo gay do que sair por ai mal falado. Ao menos na prática era assim que eles agiam.

E, como a minha imagem estava manchada, pessoas começaram a me evitar. Se antes eram abraços, agora é apenas um discreto aceno com a cabeça.

E a situação foi piorando com o tempo, até o ponto que os ditos "amigos" começaram também a me evitar.

Eu fui perceber tarde. Vai todo mundo pagar um preço caro demais por um monte de
mentiras que ninguém acredita. Mas é melhor uma mentira mal contada do que uma verdade simples demais.

Quando a verdade é sem graça, ninguém acredita.



"Como pode, culturalmente falando, nos sentirmos mais confortáveis vendo dois homens segurando armas do que dois homens de mãos dadas?"
-Ernest Gaines

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